Gogo Cristo Neto
Do luto - Vivência e relato de caso
Uma das aflições

que surgem nas consultas é o luto.
Sei que parece um tema simples mas acredite, não é e vou dar meu exemplo pessoal, afinal de contas eu não poderia tratar sobre o assunto sem conhecer a fundo.
Meus pais eram separados há certo tempo e por este motivo, resolvi sair da cidade de onde morava para ir à capital tentar trabalho, tirar a CNH e etc. Nesta época, tinha 18 anos.
Chegando lá, vi meu pai de cama e achei estranho porque mesmo ele sendo um cara teimoso, não ficava de cama pra nada. Era um “touro”. Bom, os dias foram passando, poucos na verdade e eu fui ajudar ele a tomar banho porque não conseguia abaixar pra esfregar os pés. Ali, no chuveiro, ele desmaiou a primeira vez. E olha só, ele era muito pesado.
Guiei ele pra cama e ali ele ficou. Depois de um tempo, na tentativa de levantar, desmaiou de novo. E eu ali com 18 anos, assustado e com uma baita responsabilidade nas costas. Chamamos o farmacêutico (Coisa de bairro né), ele deu uma injeção pra gripe e adivinha? Mais uma vez meu pai desmaiou e dessa vez teve convulsões. Disso pra frente foi Samu, Incor e velório num intervalo de dois ou três dias.
Eu na época fiquei bem triste e talvez tenha me culpado de algum modo. A relação entre meus pais era bem conturbada e nós ficávamos no meio da coisa toda.
Os anos foram passando e eu fui “aceitando” aquilo que tinha acontecido.
15 anos se passaram, achei que estava tudo bem e do nada minha mãe começa a ser internada. Ela morava em SP com meus dois irmãos e vivia uma vida insana. Era dona de duas lanchonetes e pasme, ficava o dia todo entre as duas, sozinha na maior parte das vezes, mega sobrecarregada.
Ela era fumante assídua, coisa de um a dois maços por dia e é claro que em algum momento isso traria efeitos pro corpo.
Foi internada com muita água no pulmão e quando vimos, estava inconsciente, caminhando pra morte.
Neste meio tempo, de saber que ela estava ruim e iria morrer em alguns dias, sentei do lado de fora do hospital, desesperado, chorando e falei algo como “eu não suporto tudo isso de novo, já fiz tudo sozinho quando o pai morreu e agora é ela.” Isso foi genuíno, eu tinha medo de fazer tudo sozinho (é MUITA coisa, acredite). Fui julgado pelo meu irmão mais novo, apontado com diversos absurdos. Tive que lidar com um ego imenso de muita gente... enfim, as expectativas dos outros foram jogadas em cima de mim e eu, quebrado emocionalmente, aceitei.
Claro que tive apoio de algumas pessoas que foram muito importantes no momento e isso fez muita diferença, que fique claro.
Bom, depois de todo o ocorrido, parecia que o luto dela seria menor mas na verdade o que aconteceu é que o luto do meu pai e dela foram “ativados” junto. Isso foi em 2015.
Em 2016, durante uma formação, fazendo uma meditação eu deixei esse luto vir à tona e comecei a entender as coisas. Eu achava que por não julgar meus pais como ausentes (“vocês me deixaram” e etc), eu sentia falta deles mas o principal é que os culpava pelas escolhas que fizeram.
Entre 2018 e 2020, o processo de entendimento foi intensificando e entendi alguns pontos que divido com você agora:
- Meus pais eram seres humanos como eu, adultos e infantis a seus modos. - Tudo que fizeram foram escolhas, como eu faço e as escolhas não eram das figuras de pai e mãe mas sim dos seres humanos que estavam ali. - As experiencias deles, os gostos musicais e etc eram deles mas eu absorvi muito disso, inclusive os preconceitos. Aprendi a deixar eles “levarem” o que era deles. - Os abusos verbais que ambos cometiam um com o outro eram deles também, então deixei que os sentimentos de que algum deles foi “injusto” fosse embora. - Sei que fizeram o melhor que puderam e que eu sou parte disso. Não sofro mais. - Meus pais eram os “terapeutas” da família. Todos os procuravam para conselhos e conversas e eu percebi que de forma totalmente inconsciente, busquei algo que tinha certa ligação com eles mas a ligação que busquei foi a melhor parte que eles puderam ser. Aceitei o que sou e o que faço como um legado e algo meu, que faço por mim e pelo mundo.
Como você pode notar, eu levei cerca de 20 anos para entender o processo de luto. Foram inúmeras situações que eu passei sem apoio e outras tantas, no ultimo ano, com apoio qualificado.
Com isso tudo, quero dizer que:
- Todo processo de luto deve ser vivido na sua amplitude máxima. - Todos tem direito de viver o luto da forma que tiver que sentirem, sem julgamento. - Todo luto também é uma forma de viver, de se descobrir e se entender. - A família é imprescindível na vivencia do luto coletivo e a falta disso pode gerar incongruências que serão tratadas no futuro. - O apoio incondicional, sem julgamento é fundamental para que o luto seja vivido, entendido e transformado. - As culpas, raivas, angústias e medos vindos do luto são naturais e em algum momento servirão de mecanismos para que tudo isso seja transformado para algo melhor.
Espero que este pequeno relato de caso lhe traga inspiração para entender que todo este assunto de luto, um tabu na sociedade, é natural e deve ser vivenciado com apoio incondicional, sem julgamento e com carinho.
Você vive isso? Se precisar de ajuda para vivenciar e entender todo este processo, eu estou à sua disposição.